Reforma tributária e o setor imobiliário e de construção
Reforma tributária e o setor imobiliário e de construção Implementação do IBS e da CBS trará impactos significativos para os setores, que demandam regulamentação específica.
Aprovada por meio da Emenda Constitucional 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar 214, sancionada em 16 de janeiro deste ano, a reforma tributária brasileira representa uma transformação significativa no sistema de tributação sobre o consumo.
O cronograma de implementação prevê o início dos testes de alíquota em 2026, a entrada em vigor da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) em 2027 e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em 2029. Este novo marco legal visa melhorar o ambiente de negócios, criar segurança jurídica e eliminar o contencioso tributário, representando uma resposta às complexidades do sistema tributário vigente.
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O setor imobiliário e de construção, com suas características distintas e relevância socioeconômica, é diretamente impactado por essas mudanças. Suas particularidades, como os longos prazos de execução, a produção de bens essenciais como infraestrutura, saneamento e moradia, e seu significativo impacto na geração de empregos, sempre conferiram a este setor um tratamento tributário diferenciado. A análise aprofundada da reforma revela um esforço para considerar essas especificidades, embora ainda existam desafios e pontos a serem regulamentados.[1]
O cenário tributário atual do setor
Atualmente, a tributação sobre o consumo no setor imobiliário e de construção é complexa e multifacetada. Diversas atividades dentro do setor, como a locação, não sofrem a incidência de ICMS e ISS diretamente. A incorporação e o loteamento também não são diretamente tributados por esses impostos estaduais e municipais. A construção civil é, por sua vez, tributada principalmente pelo Imposto Sobre Serviços (ISS). Adicionalmente, a Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) abrangem praticamente todas as atividades do setor.
Um ponto crucial é que, conforme destaca Rodrigo Dias, no regime tributário atual, os tributos pagos sobre os insumos adquiridos pelo setor imobiliário e de construção não geram crédito de ICMS para as empresas da construção civil e incorporadoras. Isso ocorre porque essas empresas, em geral, não são contribuintes de ICMS. Consequentemente, a carga tributária incidente sobre os insumos se incorpora ao custo dos bens e serviços, sendo repassada ao longo da cadeia produtiva até o consumidor final. Essa dinâmica faz com que o tributo seja encarado como um custo, influenciando a precificação dos produtos e serviços do setor.[2]
As inovações da reforma tributária para o setor
A principal mudança introduzida pela reforma tributária para o setor imobiliário e de construção é a substituição do emaranhado de tributos sobre o consumo pelo IBS e pela CBS. Essa unificação tributária visa simplificar o sistema e, principalmente, instituir um regime de não cumulatividade ampla.
O princípio da não cumulatividade assegura que o tributo incida apenas sobre o valor adicionado em cada etapa da cadeia produtiva, permitindo o aproveitamento integral dos créditos relativos aos tributos pagos nas etapas anteriores.
Essa é uma das mudanças mais significativas e benéficas da reforma para o setor, uma vez que os tributos pagos sobre os insumos poderão ser descontados do IBS e da CBS devidos nas operações de venda de imóveis e prestação de serviços de construção. Essa sistemática exigirá uma mudança de mentalidade das empresas, que passarão a dar maior importância à obtenção de créditos tributários em suas aquisições, buscando fornecedores que integrem o novo sistema.
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Reconhecendo as particularidades do setor, a reforma estabelece um regime específico para as operações com bens imóveis, que engloba atividades como incorporação, loteamento, construção, administração e intermediação imobiliária (art. 262 e seguintes da LC 214/25).
Este regime prevê a aplicação de redutores de alíquota. De forma geral, as atividades do setor terão uma redução de 50% na alíquota padrão do IBS e da CBS (art. 261 da LC 214/25). A atividade de locação de imóveis terá um redutor ainda maior, de 70% (art. 261, § único, da LC 214/25). Além disso, o Regime Especial de Tributação (RET), conhecido no mercado imobiliário, será transformado, mantendo uma sistemática de tributação específica para a incorporação imobiliária.
Questões específicas e a necessidade de regulamentação
A implementação do IBS e da CBS trará impactos significativos para o setor imobiliário e de construção, que demandam regulamentação específica. Ao menos cinco temas podem ser desde já apontados.
O primeiro diz respeito ao momento de ocorrência do fato gerador em contratos de longo prazo. De acordo com o art. 254, V, da LC 214/25, o fato gerador do IBS e da CBS na prestação de serviços de construção civil ocorre no momento do fornecimento do serviço (art. 254, V, da LC 214/25). Em contratos de longa duração, contudo, é possível que surja dúvida em relação a que momento é este, uma vez que tais contratos podem envolver medições e aprovações de etapas. Assim, a definição precisa do momento do fornecimento é crucial seja para evitar controvérsias entre contribuinte e fisco seja para redigir com precisão os contratos do setor, tendo em vista a potencial repercussão do tributo no preço devido pela parte.[3]
Nesse sentido, vale lembrar que são diversos os contratos firmados no setor de construção, entre os quais destacam-se, a título ilustrativo, (i) o contrato de empreitada por preço global, em que se acorda um preço fixo e global para a execução da obra; (ii) o contrato de empreitada por preços unitários, em que se acorda que os preços são fixados para cada etapa de execução do contrato; (iii) o contrato de construção por administração, em que se acorda que o preço devido à construtora é uma porcentagem do valor total da obra; e (iv) o contrato por preço máximo garantido (PMG).
Largamente utilizada no setor nacional, essa última espécie contratual (PMG) não encontra previsão expressa na legislação brasileira, tendo sido introduzida como uma forma de incorporadoras reduzirem os riscos de produção, transferindo-os para as construtoras. Como apontado por Paulo R. Roque A. Khouri e Lucas Salim Vilela Pedras, “O contrato por PMG – Preço Máximo Garantido –, em linhas gerais, consiste na contratação de uma empresa para a execução de uma obra, com base em um orçamento e um prazo previamente definidos.
Caso o preço máximo seja atingido, responsabiliza-se aquela pelo valor excedente; e, na hipótese de o custo ficar abaixo, lhe é conferido um bônus pelo dono da obra.”[4] Nesse tipo de contrato, a inclusão dos tributos no preço total reflete o fato de esses serem considerados custos. Com a reforma tributária, contudo, surge dúvida acerca de como proceder a tal inclusão.



